terça-feira, 10 de maio de 2011

Resenha – Deserto Feliz, de Paulo Caldas

O DESERTO NOSSO DE CADA DIA

O sertão nordestino ocupa um importante espaço no universo cinematográfico nacional. Seja pela busca por uma denúncia social panfletária ou através da representação do “universo popular armorial”, esta região inspirou (e ainda inspira) a sétima arte em diversos ciclos da história do cinema brasileiro que apresentam diversos olhares sobre este espaço.
“Deserto feliz” é uma obra significativa ao fazer menção ao cunho regional imerso na universalidade: o conflito existencial das personagens não se encontra fincado na aridez do sertão, ultrapassando fronteiras geográficas. Sendo uma co-produção entre Brasil e Alemanha, o filme estreou no Festival de Berlim em 2007, conquistando importantes prêmios em festivais nacionais e internacionais.
Provocativo, o filme foi exibido na 3ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos na América Latina, organizado pela Fundação Joaquim Nabuco, em 2008.  A escolha foi pertinente, considerando que o tráfico de mulheres e a exploração sexual têm adquirido cada vez mais visibilidade na pauta contemporânea: denúncias internacionais sinalizam a necessidade de ações conjuntas e táticas de enfrentamento a diversas rotas. Neste sentido, a vivência de Jéssica, menina que abandona o sertão após sofrer constantes abusos do padrasto e sobrevive no Recife através dos ganhos da prostituição, não se limita a uma realidade local. Sua crise existencial é a representação de um deserto interior, onde não é possível florescer esperança em dias melhores.
A linguagem é visceral, agressiva e consonante com a ambientação, incomodando o público mais conservador que fecha os olhos para o seu próprio deserto.  No “Deserto Feliz”, a felicidade torna-se tão efêmera quanto o efeito do álcool e outras drogas que transitam livremente pelos bares e quitinetes brasileiros, ou até mesmo no apartamento alemão.
Se o título do filme faz alusão à felicidade, contraditoriamente, não se materializa no cotidiano das personagens. Por mais que a personagem principal sonhe com a “terra prometida” contida nos versos do tecnobrega. O que permanece é o olhar distante e saudoso da personagem Jéssica, a rota de prostituição que liga o Brasil aos países europeus, a marginalização das populações periféricas que estimulam a incerteza da velhice de tantas “Marias”. Esse deserto nosso de cada dia que parece não chocar tanto quanto o filme de Paulo Caldas.
Incoerentemente, a realidade parece ser suportável, mas quando se transpõe para as telas, a invisibilidade do “ver não vendo” não se torna mais possível, a realidade ressignificada mostra sua mais dura face. O deserto está dentro e diante de nós. E não é nada feliz.

Dayvison Leandro dos Santos, Professor da Escola Estadual São José. Carpina/PE

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